Sônia Hutterer - Psicóloga
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Fone (41) 9671-5917
Esta semana uma amiga enviou-me um vídeo bem interessante e resolvi escrever sobre o assunto. O vídeo fala sobre uma pizzaria em Monza, na Itália chamada "Pizzaut" que emprega somente pessoas com Transtorno do Espectro Autista.
O dono, Nico Acampora, tem um filho autista e quando soube ficou muito apreensivo pois, de acordo com os médicos, ele não teria um futuro fácil e aí ele teve a ideia de criar um restaurante administrado por jovens com autismo. Sua esposa tentou dissuadi-lo da ideia pois ele não sabia nem cozinhar um ovo. E então começou a aventura.
A primeira pizza aconteceu em 2021. Hoje, de acordo com o vídeo, 41 pessoas com transtorno do espectro autista trabalham nos dois restaurantes da rede. Um dos funcionários relata que trabalhar nessa pizzaria mudou a sua vida. Antes estava num centro para pessoas com deficiência. Todos os funcionários, desde o "chef", os garçons e os demais relatam sentirem-se muito bem acolhidos e outros autistas buscam uma função nessa pizzaria.
Achei a ideia genial e me pus a refletir sobre alguns conceitos a respeito desse transtorno.
Em meu trabalho como psicóloga clínica não lido com diagnósticos. Já atendi pessoas com Síndrome de Asperger (um dos espectros do autismo) e com TOC - Transtorno Obsessivo Compulsivo, entretanto muitas pessoas já vem ao meu consultório com o diagnóstico pronto dado por outro profissional. Eu não me importo com esse detalhe "técnico" - gosto de ouvir a pessoa, entender qual é a dificuldade dela, o que a incomoda e a partir disto buscarmos, o paciente e eu, em cada sessão "trocar ideias" sobre o melhor caminho para que ele possa dar continuidade à sua vida e seus projetos, fazendo modificações quando necessário. Muitas vezes há que se aceitar o que não se pode mudar.
Então quando vi esse vídeo fiquei imaginando que talvez num futuro distante, o planeta estaria repleto de indivíduos com esse espectro dada a quantidade de pessoas que têm apresentado ou nascido com essa característica.
O mais extraordinário desse tipo de personalidade é o preconceito que gira em torno dele e a dificuldade para compreendê-lo e aceitá-lo. Em realidade creio ser uma via de mão dupla - o autista também tem essa dificuldade de lidar com os outros. Há que se entender que a pessoa autista vê o mundo de uma maneira diferente dos demais. Muitas de suas características são bem positivas para um mundo mais pacífico - por exemplo, não toleram sons altos - não seria bom se o mundo fosse mais silencioso? Outro exemplo seria sua genialidade, inventividade, facilidade com números... Conheço um ente desses que sabe dizer o dia da semana exato de qualquer dia de qualquer ano em segundos.
Eu não gosto da palavra "deficiente mental" que é incutida para essas pessoas. Talvez seria na melhor das hipóteses, uma "deficiência social" - mas, mesmo assim é um termo de caráter pejorativo, ao qual a ninguém deveria ser imposto. Uma "alcunha" razoável seria "pessoa especial" - entretanto especiais somos todos nós, seres humanos, com nossas habilidades e diferenças. A melhor palavra então, ao meu ver, seria e é autista, mas dada a quantidade de pessoas que são diagnosticadas com essa "dificuldade", essa palavra já está sendo usada até erroneamente por muitas pessoas. Basta você presenciar uma criança gritando num restaurante ou coletivo para logo o pai ou a mãe dizer "ah, ele é autista". E então todos aceitam essa frase - será mesmo? Por aí afora também existem muitos diagnósticos errados, sem contar a banalização desse termo.
Como psicóloga clínica trabalho com a abordagem Junguiana e realmente não sou a pessoa mais experiente para falar sobre autismo. Mas, percebo que para pais que "recebem" criaturas com autismo como filhos é um enorme desafio.
O planeta, aos poucos, tornou-se tão uniforme (aliás, é o que todos lutam para isso, né?) que pessoas que saem do "comum" que tem dificuldade de seguir regras são consideradas "estranhas", "desobedientes", "antissociais", "anarquistas", "seres de outro planeta" (talvez até sejam de outro planeta mesmo...) - são tantos os "rótulos"...
A medicina cria síndromes para seu próprio conforto - é mais fácil listar sintomas e colocá-los numa síndrome. Aliás essa palavra síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que definem uma doença ou condição clínica" (Wikipédia).
Em verdade, analisar, conversar, ouvir, atender cada paciente em sua dificuldade leva muito tempo; deve-se ter paciência (embora "pacientes" têm que ser os outros...), muito estudo, calma e pouca pressa para dar um diagnóstico o mais preciso possível.
Mas, como disse anteriormente, o mundo quer a uniformização dos indivíduos e quando a pessoa não atende a esse requisito, deve se dar a ela um rótulo, uma doença, um transtorno qualquer. A palavra Transtorno até que é adequada - ter um(a) filho(a) autista deve ser um "transtorno" para muitos pais. Será que esses pais não foram "escolhidos a dedo", como dizem, pela Providência pois necessitam "adquirir" qualidades como paciência, tolerância, flexibilidade, compreensão, estudo, para poder interagir e dar uma boa vida para esses filhos "diferentes"?
A paternidade/maternidade deve ser encarada como tal. Filhos são seres que estão em nosso convívio para que possamos ajudá-los a crescer, a ter suas aventuras, a evoluir, por um período de tempo - e nesse período, pais são "sequestrados" por eles, vamos assim dizer, deixando de lado muitas vezes suas vidas e compromissos. Aqueles que não desejem que isso aconteça basta não colocá-los no mundo. Simples assim!
Ao escrever esse texto até percebi em mim muitas características desse transtorno. Na infância eu era a ovelha negra da família; na adolescência tive muita dificuldade de fazer amigos e/ou participar de grupos, mas sempre lutei para ser aceita como era. Hoje, perto dos 70 anos, não me importo com nada disso. Felizmente, encontrei o marido ideal - tão estranho e com dificuldades de aceitar o mundo uniformizado quanto eu.
Autistas num grau severo são realmente difíceis de interagir no mundo. Há que se entrar no seu próprio mundo para compreendê-los. Mas, todos nós evoluímos, de uma maneira ou de outra.
Boa reflexão!
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