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Da Redação
Num mundo cada vez mais movido pela transição energética e pela digitalização, poucos recursos são tão estratégicos quanto as terras raras. Esses 17 elementos químicos, apesar do nome, não são exatamente escassos, mas sua extração e processamento são complexos e ambientalmente sensíveis. Eles são indispensáveis na fabricação de ímãs permanentes — componentes essenciais em veículos elétricos (EVs), turbinas eólicas, smartphones e sistemas de defesa.
A China, responsável por cerca de 85% da produção global, domina o setor há décadas. Os Estados Unidos, atentos à dependência estratégica e industrial, intensificaram a busca por alternativas. Nesse cenário, o Brasil, especialmente com o projeto Serra Verde em Goiás, ganha protagonismo como a única operação ativa fora da China que produz terras raras pesadas de argila iônica — um tipo raro e valioso.
O Que São Terras Raras e Por Que São Tão Disputadas?
As terras raras se dividem em dois grupos principais:
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Leves (como neodímio, lantânio, cério)
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Pesadas (como disprósio, térbio, e gadolínio)
As terras raras pesadas são as mais estratégicas, pois são escassas e indispensáveis em aplicações de alta performance, como os ímãs permanentes de alta resistência térmica usados em turbinas e motores elétricos. Esses ímãs permitem miniaturização de componentes, maior eficiência energética e redução de peso — atributos vitais na era verde e digital.
Serra Verde: Um Marco Global no Coração do Cerrado
Localizada em Minaçu, no norte de Goiás, a mina de Serra Verde é um projeto de mais de US$ 300 milhões que começou a operar comercialmente em 2024. A jazida possui características únicas: depósitos de argila iônica, similares aos da China, ricos em elementos pesados como disprósio e térbio.
Esses elementos são tradicionalmente extraídos com técnicas de lixiviação, onde soluções químicas extraem os minerais do solo. A operação brasileira, segundo seus desenvolvedores, busca aplicar práticas mais sustentáveis, reduzindo os impactos ambientais que historicamente marcam esse tipo de mineração na Ásia. A capacidade inicial é de cerca de 5 mil toneladas de concentrado por ano, com potencial de crescimento significativo nos próximos anos.
A Disputa China-EUA e o Papel do Brasil
China: A Superpotência das Terras Raras
Desde os anos 1990, a China subsidiou pesadamente a produção, consolidando-se como líder global. Pequim usa seu domínio como instrumento geopolítico: em 2010, por exemplo, restringiu exportações ao Japão durante uma crise diplomática. Em 2020, ameaçou cortar fornecimento aos EUA em resposta a sanções comerciais. Além disso, a China domina a cadeia de valor, incluindo o refino e a produção de ímãs. Sua meta não é apenas exportar matéria-prima, mas também consolidar a manufatura de alta tecnologia.
EUA: Rumo à Autossuficiência
Os EUA reagiram com força nos últimos anos. Com a Lei de Redução da Inflação (IRA) e outras medidas, o governo Biden tenta impulsionar cadeias domésticas de minerais críticos. A mineradora MP Materials reativou a produção em Mountain Pass (Califórnia), mas ainda enfrenta gargalos no refino. Por isso, o Brasil — especialmente com terras raras pesadas, muito mais difíceis de obter — surge como aliado estratégico.
O governo norte-americano já iniciou diálogos com o Brasil sobre cadeias críticas, e investidores internacionais estão atentos à Serra Verde. Em 2023, a companhia recebeu aporte do fundo Appian Capital, com sede em Londres, e discute fornecimento com montadoras e fabricantes de turbinas.
Desafios e Oportunidades para o Brasil
Desafios:
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Infraestrutura limitada para refino e processamento avançado.
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Necessidade de licenciamento ambiental transparente e ágil.
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Garantia de que a produção não reproduza os impactos sociais e ecológicos vistos na Ásia.
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Risco de se tornar apenas um exportador de matéria-prima, sem agregar valor internamente.
Oportunidades:
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Tornar-se fornecedor confiável e independente em um mercado dominado por uma potência geopolítica.
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Atrair investimentos em tecnologia, refino e fabricação de ímãs permanentes.
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Estimular o desenvolvimento regional sustentável, com geração de empregos qualificados em Goiás.
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Participar de forma estratégica da transição energética global.
A corrida por terras raras está longe de ser apenas uma disputa comercial — ela define os contornos do poder tecnológico e industrial do século XXI. O Brasil, com a operação de Serra Verde, tem a rara chance de ocupar um papel central, não como coadjuvante, mas como protagonista na nova geopolítica dos minerais críticos.
Cabe agora às lideranças brasileiras aproveitarem o momento, promovendo políticas industriais integradas, parcerias internacionais equilibradas e uma estratégia de longo prazo para que o país deixe de ser apenas um celeiro de commodities e assuma um papel relevante no mapa da economia verde e digital.
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