Curitiba (PR) – A presença militar dos Estados Unidos na região da América Latina e Caribe registrou uma escala inédita em escala e visibilidade, sob o pretexto oficial de combate ao tráfico de drogas, mas com implicações geopolíticas profundas que acendem alertas sobre o futuro da paz e da soberania na América do Sul.
O que está ocorrendo?
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O governo de Donald Trump ordenou o envio do grupo de ataque da aeronave-porta-aviões USS Gerald R. Ford à região do U.S. Southern Command (responsável pela América Latina) como parte de uma “capacidade aumentada para detectar, monitorar e desarticular atores ilícitos que comprometem a segurança e prosperidade dos EUA”.
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Antes mesmo desse passo, os EUA já haviam despachado múltiplos navios de guerra — entre eles destroyers guiados por mísseis — para águas do Caribe próximas à costa da Venezuela.
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A justificativa oficial centra-se no combate ao tráfico de drogas e à rotulagem de certas organizações como “terroristas” (narco-terrorismo), sob a qual o governo Trump classificou, por exemplo, a liderança do presidente venezuelano Nicolás Maduro.
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A escalada também inclui ataques – ou operações militares letais – contra embarcações suspeitas de tráfico, com pelo menos 43 pessoas mortas desde setembro segundo rastreamentos de fontes abertas.
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No plano diplomático, os EUA aplicaram sanções e acusações ao governo da Venezuela e até ao presidente da Colômbia, Gustavo Petro, afirmando envolvimento com tráfico de drogas.
Histórico e contexto
A América Latina historicamente foi cenário de intervenções externas, sejam militares, políticas ou econômicas. A política de “doutrina de segurança” dos EUA, alianças passadas e o envolvimento em crises latino-americanas (Guatemala, Chile, Nicarágua etc) são pano de fundo dessa nova fase.
No entanto, a mobilização atual distingue-se por alguns fatores:
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O uso de força naval/aérea em águas marítimas regionais com frequência crescente.
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A designação explícita de organizações de tráfico de drogas como “terroristas” e a legitimação de operações militares para combatê-las.
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A vinculação da intervenção à retórica de segurança nacional e “hemisférica” dos EUA, e não apenas à cooperação convencional.
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O potencial impacto para soberania, estabilidade regional e relações diplomáticas com países vizinhos.
Riscos para a América do Sul
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Erosão da soberania nacional – Quando forças de uma potência externa operam em regiões marítimas próximas a estados-nação, surgem questionamentos sobre controle territorial e jurisdição.
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Escalada militar e risco de confronto – O aumento de navios, submarinos, porta-aviões e aeronaves cria uma “zona cinzenta” entre patrulhamento antinarcóticos e ação militar direta, com risco de erro, choque ou escalada.
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Desestabilização política/regional – Países sob pressão podem responder com militarização, mobilização de milícias, ou alianças adversas, o que pode gerar novos vetores de conflito ou crises diplomáticas.
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Instrumentalização do combate ao tráfico para fins políticos – Há o risco de que o combate a drogas seja usado como pretexto para pressão política, mudança de regime ou intervenção direta em governos considerados “inimigos”.
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Impactos para o multilateralismo e segurança coletiva – A América Latina poderia ver comprometida a confiança entre estados, e perspectivas de cooperação regional ou hemisférica podem sofrer abalo.
Cenário específico da Venezuela e região
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Maduro afirmou que está sendo “apontado por 1.200 mísseis” pelos EUA, descrevendo a movimentação naval como “a maior ameaça” à América Latina em 100 anos.
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A Venezuela mobilizou 15.000 soldados na fronteira com a Colômbia e convocou milhões para a milícia sob justificativa de defesa “do território sagrado”.
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A presença naval dos EUA – oficialmente para combate ao narcotráfico – é vista por muitos analistas na região como uma forma de pressão direta ao governo Maduro, o que gera receios de intervenção ou coerção.
O que está em jogo para o Brasil e para a região
Para o Brasil e demais países sul-americanos, a atual escalada exige atenção porque:
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Alterações no equilíbrio estratégico regional podem afetar tráfego marítimo, cooperação de segurança, fronteiras e tratados multilaterais.
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Qualquer intervenção ou atividade militar externa – justificada ou não pelo tráfico – pode gerar precedente para intervenções semelhantes em outros países da região.
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Países latino-americanos podem se ver obrigados a escolher entre alinhamento com uma potência externa ou fortalecimento da autonomia regional (ex: via UNASUL, Organização dos Estados Americanos).
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A narrativa do combate às drogas corre o risco de obscurecer debates sobre causas socioeconômicas, Estado de Direito, reformas e cooperação internacional, em favor da lógica militar-punitiva.
Enfim...
A campanha militar dos Estados Unidos sob o comando de Donald Trump no Caribe e América do Sul representa uma viragem marcante: embora apresentada como uma operação de combate ao tráfico de drogas, seu escopo geográfico, volumetria de recursos e envolvimento naval/aéreo colocam em questão a linha entre patrulhamento antinarcóticos e intervenção militar.
Para a América Latina, o momento pode marcar tanto a emergência de uma nova configuração de poder hemisférico quanto o risco de escaladas de tensão, crise de soberania e militarização da política externa regional.

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