CSN - Central Sul de Notícias - jornalista Douglas de Souza - Reportagem Especial
Da Redação
Nos últimos anos o Brasil tem assistido a um crescimento preocupante de episódios de intolerância religiosa que extrapolam ofensas isoladas e se traduzem em agressões físicas, depredação de terreiros e barreiras reais ao direito de culto — sobretudo contra religiões de matriz africana. Dados de órgãos de direitos humanos e levantamentos jornalísticos apontam aumento significativo nas denúncias, mas especialistas alertam para a subnotificação sistemática: muitos casos não chegam a ser formalizados por medo, estigmatização ou descrença na resposta institucional.
A violência dirigida à fé mistura preconceito religioso com racismo estrutural, alimentada por desinformação, discurso público polarizado e omissões das autoridades responsáveis pela proteção. Enquanto leis existem para criminalizar práticas discriminatórias, vítimas e lideranças comunitárias relatam demora nas investigações, fragilidade no acolhimento e ausência de políticas públicas de prevenção. Esta reportagem desmonta mitos, acompanha vítimas e especialistas e propõe caminhos práticos — da capacitação de agentes públicos à educação nas escolas — para que a liberdade de crença deixe de ser promessa constitucional e passe a ser garantia cotidiana.
O que os números mostram
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Aumento expressivo das denúncias: dados do canal Disque 100 e levantamentos jornalísticos indicam que as denúncias de intolerância religiosa cresceram fortemente em 2024 — com relatos variando entre cerca de 2,4 mil e 3,8 mil violações conforme a fonte e metodologia. Os registros apontam alta de dezenas de percentuais em relação a 2023.
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Alvos mais frequentes: religiões de matriz africana (Candomblé, Umbanda) seguem sendo os principais alvos, sofrendo perseguição e atos que se sobrepõem ao racismo. Há também registros contra grupos evangélicos, católicos e minorias religiosas, mas com menor incidência proporcional.
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Geografia das violações: estados maiores e mais populosos lideram em número bruto de denúncias; São Paulo aparece com os maiores registros em 2024 em alguns levantamentos.
Contexto legal e institucional
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É crime: a Lei nº 7.716/1989 (Lei Caó) tipifica como crime ações motivadas por discriminação religiosa e prevê pena de reclusão (2 a 5 anos) em vários atos discriminatórios. Em 2023 houve aperfeiçoamento normativo (Lei 14.532/2023) que endureceu punições relacionadas à injúria racial e ampliou ferramentas para tipificar condutas que atingem religiões de matriz africana.
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Canal de denúncia: o Disque 100 (MDHC/MDH) é o principal canal federal de registro de violações de direitos humanos, e seus dados são referência para a dimensão do problema, embora haja subnotificação e diferenças metodológicas entre órgãos.
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Projetos e políticas: há propostas legislativas federais e iniciativas estaduais e municipais para criar programas de enfrentamento ao racismo religioso e à intolerância, e também guias do governo para orientação de denúncias. A execução e fiscalização desses instrumentos, porém, variam muito localmente.
Causas e dinâmicas sociais
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Racismo estrutural e sincretismo mal compreendido: a perseguição às religiões afro-brasileiras mistura preconceito religioso com racismo, historicamente ancorado em estigmas e desinformação.
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Polarização política e discursos públicos: a polarização e discursos que deslegitimam religiões diferentes daquelas majoritárias contribuem para normalizar agressões simbólicas e práticas de exclusão. (análise apoiada por tendências levantadas em reportagens e relatórios).
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Rede social e desinformação: ataques, campanhas de ódio e 'fake news' que distorcem rituais religiosos impulsionam episódios de hostilidade e até depredação. (observado em investigações jornalísticas recentes).
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Vulnerabilidade institucional: fiscalização e responsabilização nem sempre ocorrem — muitos casos não chegam a processo ou são travados por falta de provas, medo das vítimas ou omissões. Relatórios de ONGs e defensorias apontam subnotificação.
Casos ilustrativos
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Depredação ou invasão de terreiros, atos de vandalismo e queima de símbolos religiosos.
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Agressões verbais e físicas em espaços públicos ou privados por motivos religiosos.
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Obstáculos ao direito de culto: impedimentos em concursos, empregos ou acesso a serviços por preconceito. (tipificações previstas na Lei Caó).
Vozes que precisam ser ouvidas
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Vítimas e líderes de terreiros (Candomblé/Umbanda) — relatos diretos do impacto social e emocional.
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Representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC/MDH) — dados do Disque 100, políticas e orientações de denúncia.
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Pesquisadores em sociologia da religião e racismo (ex.: universidades/publicações sobre racismo religioso).
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Representantes de igrejas evangélicas e católicas dispostos a falar sobre conscientização e diálogo inter-religioso.
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Ministério Público / Defensoria Pública / Polícia Civil para explicar procedimentos investigativos e entraves.
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ONGs e coletivos de direitos humanos que acompanham casos e fazem orientação jurídica.
Políticas públicas
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Fortalecer canais de denúncia e acolhimento: investir em capacitação de atendimento para vítimas (polícia, delegacias especializadas, Disque 100).
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Educação e currículo escolar: incluir conteúdo sobre diversidade religiosa e história das religiões afro-brasileiras para combater estigmas desde a infância.
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Programas de proteção a terreiros e espaços de culto vulneráveis: financiamento para segurança, restauração e ações comunitárias.
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Capacitação contínua de operadores do direito: promotores, juízes e policiais treinados para identificar racismo religioso e agir com celeridade.
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Campanhas públicas de conscientização: desmistificar rituais religiosos e promover diálogo inter-religioso com apoio do estado.
Denuncie
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Disque 100 — Direitos Humanos: registro de violações e canal de acolhimento.
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Guia de orientação para denúncias de racismo religioso (cartilha do governo) — orientar vítimas sobre provas, procedimentos e direitos.
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Procuradoria/Defensoria Públicas locais — assistência jurídica e acompanhamento.
Enfim
A liberdade religiosa é garantida pela Constituição, mas, na prática, crentes de tradições historicamente marginalizadas continuam a sofrer violência simbólica e física. O crescimento recente das denúncias exige que imprensa, poder público e sociedade civil se unam para desarmar mitos, responsabilizar infratores e proteger o direito básico de cada pessoa de crer — ou de não crer — sem medo.

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