Sônia Hutterer - Psicóloga
Caros leitores,
De acordo com o dicionário Aurélio, vício é:
1. Defeito grave que torna uma pessoa ou coisa inadequada para certos fins ou funções.
2. Inclinação para o mal (nesta acepção opõe-se a Virtude).
3. Costume de proceder mal; desregramento habitual.
4. Conduta ou costume censurável ou condenável; libertinagem, licenciosidade.
5. Costume prejudicial.
A causa fundamental dos problemas encontra-se no psiquismo humano o qual comanda todo o organismo.
Alguns de nossos hábitos preferidos se formam em nossa vida. Em sua formação, eles podem ter servido como válvula de escape para baixar a ansiedade em situações difíceis. Entretanto, o que funcionou muito bem em situações importantes de nossa vida, pode ser desnecessário em outros momentos, mas pode vir a ser reproduzido sem termos consciência disso. Essa é a descrição da origem de vício.
O vício é um "erro de cálculo" na procura da paz e da serenidade, porque todos, sem exceção, queremos ser felizes e buscamos aquilo que nos acalma, que nos tira da angústia e da depressão.
Nesse sentido, podemos perceber que nosso mundo está moldado de acordo com nossos anseios interiores e baseados neles buscamos desenvolver atitudes cada vez mais adequadas e coerentes em favor de nós mesmos.
Por causa dessa visão unilateral, onde apenas enxergamos a nós mesmos como centros do mundo, em muitas ocasiões podemos não perceber nossa inadaptação à vida social, terreno fértil para algum tipo de vício.
Aquilo que à primeira vista, pode nos trazer "conforto", pode nos destruir. Aqui "conforto" é visto como uma comodidade em adaptar-se ao mundo como ele se apresenta. O viciado seria, então, um "conservador" temeroso de se lançar à vida, pois sente-se ameaçado pelo mundo. O vício seria esse método defensivo assumido na vida para evitar o contato com o mundo, nesta forma inadequada de promover segurança e proteção para si próprio.
Em realidade, alguns vícios podem até trazer, momentaneamente, proteção e segurança contra o mundo, mas impedem que o indivíduo viva o que deve viver, dificultando desta maneira seu crescimento pessoal, social e espiritual.
Para compreender melhor como o vício se mantém falemos um pouco de crenças. Crença é a ação de acreditar naquilo que convencionamos adotar como verdade. Entretanto, algumas crenças são reais e outras não. Para descobrir aquela que é verdadeira, o uso da razão, do raciocínio faz-se necessário. Muitas vezes as crenças atravessam a história através de uma tradição ou costume criado por alguém. Com o passar dos tempos, algumas são descartadas por sua inadequação com a época atual. Mas existem aquelas que estão enraizadas na cultura de um determinado povo, de tal maneira que seja difícil questioná-las.
E é também baseados em crenças que muitos viciados são taxados de preguiçosos, indolentes, desocupados, "parasitas sociais", improdutivos. Em verdade, os dependentes possuem esse "fardo" que lhes dá uma lassidão energética que faz com que passem a viver constantemente "embriagados na alma", por causa dos fluidos de tédio, fadiga e abatimento. Inconscientemente usam esse desânimo como estratégia psicológica para fugirem ao trabalho e enfrentar as suas vidas plenamente. Eles adiam seus compromissos e dizem que no futuro agirão diferentemente, pois desta maneira, não admitem que não irão mudar.
Sócrates disse: "Não é ocioso apenas o que nada faz, mas também o que poderia empregar melhor o seu tempo." A ociosidade é uma porta aberta de fácil acesso a todas as viciações.
Mas, mais cedo ou mais tarde, essa a ociosidade lhes pesa e surge o desejo de progredir que os incita a atividade e eles então tornam-se felizes por poderem tornar-se úteis.
Agora lembro-me da história do escritor do livro "Um gato de rua chamado Bob" James Bowen. Ele era viciado, vivia precariamente e um dia um gato o adotou e por causa do gato, ele conseguiu livrar-se do vício, fez tratamento e escreveu o livro sobre a história dele e do gato. Ele comenta no livro que uma das coisas que ele mais ficou feliz foi quando com o dinheiro das vendas do livro ele conseguiu pagar seus impostos. Ele recebia uma ajuda do governo e ficou grato por poder "pagar" de volta aquilo que ele "entendeu" como sendo um empréstimo do Estado; sentiu-se bem de poder depender de seu próprio trabalho. Engraçado, penso que em realidade, ele ficou feliz por conseguir fazer parte da sociedade, coisa que o deixava infeliz por viver à margem da mesma.
Mas como fazer com que o desejo de progredir surja mais cedo em nossas vidas? Bem, o homem é dotado de criatividade. É um dos atributos mais importantes no ser inteligente. Através da imaginação ele penetra os mais insondáveis terrenos das ideias. Quando bem conduzida leva-o através do mundo da Física, da Química, da Biologia, da Anatomia, da Fisiologia, da Psicologia e desta maneira o impulsiona para a evolução. Entretanto quando mal conduzida pode levá-lo a outros lugares. Pela sua imaginação, ele pode criar carências, envolvendo-se dessa maneira nos prazeres, na absorção das sensações e pode perder-se nos torvelinhos da vida de viciações como vimos anteriormente. Então como livrarmo-nos dos vícios, ou até mesmo como evitá-los?
Se eles, primeiramente, fazem parte do mundo das ideias e do nosso mundo inconsciente, tratemos de descobrir suas causas. Caso isso seja de difícil acesso, podemos nos perguntar qual a sua utilidade, a sua necessidade em nossas vidas. Lembremo-nos de que além do fumo, do álcool, dos tóxicos, do jogo, da gula, dos abusos do sexo, outras formas de viciação podem ocorrer. Por exemplo, excesso de limpeza e/ou organização, hábito de comprar roupas compulsivamente (averiguemos nosso guarda-roupa para constatar se não temos roupas em excesso), vício da maledicência, da crítica, do pré-julgamento, de reclamar de tudo, etc. Esses podem tornar-se hábitos repetitivos, condicionamentos que aceitamos por comodidade muitas vezes sem quaisquer reações contrárias. Nesses casos, a vontade exerce enorme influência na "cura" desses males.
Lembremo-nos também de que raramente estamos sozinhos nos vícios. Temos também a companhia daqueles que se utilizam dos mesmos males. Eles são fatores de indução para a contínua prática dos vícios.
O objetivo maior na luta para combater os vícios é compreender razoavelmente as características dos mesmos e buscar os meios para eliminá-los.
Boa reflexão!
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